segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Mulheres sacerdotisas


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Mulheres sacerdotisas, celibato e poder de Roma
O cardeal Mauro Piacenza, prefeito da Congregação para o Clero, em entrevista.


Eminência, com surpreendente periodicidade, há várias décadas, voltam a aparecer no debate público algumas questões eclesiais, sempre as mesmas. A que se deve este fenómeno?Cardeal Piacenza: Sempre, na história da Igreja, houve movimentos “centrífugos”, que tendem a “normalizar” a excepcionalidade do evento de Cristo e do seu Corpo vivente na história, que é a Igreja. Uma “Igreja normalizada” perderia toda a sua força profética, não diria mais nada ao homem e ao mundo e, de facto, trairia o seu Senhor.
A grande diferença da época contemporânea é doutrinal e midiática. Doutrinalmente, pretende-se justificar o pecado, não confiando na misericórdia, mas deixando-se levar por uma perigosa autonomia que tem o sabor do ateísmo prático; do ponto de vista midiático, nas últimas décadas, as fisiológicas “forças centrífugas” recebem a atenção e a inoportuna amplificação dos meios de comunicação que vivem, de certa maneira, de contrastes.
Deve-se considerar a ordenação sacerdotal das mulheres como uma “questão doutrinal”?Cardeal: Certamente, como todos sabem, a questão já foi tratada por Paulo VI e pelo Beato João Paulo II, e este, com a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 1994, fechou definitivamente a questão.
De facto, afirmou: “Com o fim de afastar toda a dúvida sobre uma questão de grande importância, que diz respeito à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar na fé os irmãos, declaro que a Igreja não tem, de forma alguma, a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que este ditame deve ser considerado como definitivo por todos os fiéis da Igreja”. Alguns, justificando o injustificável, falaram de uma “definitividade relativa” da doutrina até esse momento, mas, francamente, esta tese é tão inusual que carece de qualquer fundamento.

Então, não há lugar para as mulheres na Igreja?Cardeal P: Pelo contrário: as mulheres têm um papel importantíssimo no corpo eclesial e poderiam ter outro mais evidente ainda. A Igreja foi fundada por Cristo e não podemos determinar, nós, os homens, o seu perfil; portanto, a constituição hierárquica está ligada ao sacerdócio ministerial, que está reservado aos homens. Mas absolutamente nada impede de valorizar o génio feminino em papéis que não estão ligados estreitamente ao exercício da ordem sagrada. Quem impediria, por exemplo, que uma grande economista fosse chefe da Administração da Sé Apostólica, ou que uma jornalista competente se tornasse porta-voz da Sala de Imprensa da Santa Sé?
Os exemplos podem-se multiplicar em todos os desempenhos não vinculados à ordem sagrada. Há uma infinidade de tarefas em que o género feminino poderia realizar uma grande contribuição! Outra coisa é conceber o serviço como um poder e procurar, como o mundo faz, as “cotas” de tal poder. Considero, além disso, que o menosprezo do grande mistério da maternidade, que está a ser realizado nesta cultura dominante, tenha um papel muito importante na desorientação geral que existe com relação à mulher. A ideologia do lucro reduziu e instrumentalizou as mulheres, não reconhecendo a maior contribuição que estas, indiscutivelmente, podem dar à sociedade e ao mundo.
A Igreja, além disso, não é um governo político no qual é justo reivindicar uma representação adequada. A Igreja é outra coisa, a Igreja é o Corpo de Cristo e, nela, cada um é membro segundo o que Cristo estabeleceu. Por outro lado, a Igreja não é uma questão de papéis masculinos ou femininos, mas de papéis que implicam, por vontade divina, a ordenação ou não. Tudo o que um fiel leigo pode fazer, uma fiel leiga também pode fazer. O importante é ter a preparação específica e a idoneidade; ser homem ou mulher não é relevante.
Mas pode haver uma participação real na vida da Igreja, sem atribuições de poder efectivo e de responsabilidade?Cardeal: Quem disse que a participação na Igreja é uma questão de poder? Se fosse assim, cometeriam o grande erro de conceber a própria Igreja não como é, divino-humana, mas simplesmente como uma das muitas associações humanas, talvez a maior e mais nobre, pela sua história; e deveria ser “administrada” distribuindo-se o poder.
Nada mais longe da realidade! A hierarquia da Igreja, além de ser de directa instituição divina, deve ser entendida sempre como um serviço à comunhão. Somente um erro, derivado historicamente da experiência das ditaduras, poderia conceber a hierarquia eclesiástica como o exercício de um 'poder absoluto”. Que perguntem isso a quem está chamado a colaborar com a responsabilidade pessoal do Papa pela Igreja universal! São tais e tantas as mediações, consultas, expressões de colegialidade real, que praticamente nenhum acto de governo é fruto de uma vontade única, mas sempre o resultado de um longo caminho, em escuta do Espírito Santo e da preciosa contribuição de muitos.
A colegialidade não é um conceito sociopolítico, mas deriva da comum Eucaristia, do affectus que nasce do alimentar-se do único Pão e do viver da única fé, do estar unidos a Cristo, Caminho, Verdade e Vida. E Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre!
Não é muito o poder que Roma ostenta?Cardeal: Dizer “Roma” significa simplesmente dizer “catolicidade” e “colegialidade”. Roma é a cidade que a providência escolheu como lugar do martírio dos apóstolos Pedro e Paulo e o que a comunhão com esta Igreja significou sempre na história: comunhão com a Igreja universal, unidade, missão e certeza doutrinal. Roma está ao serviço de todas as Igrejas e muitas vezes protege as Igrejas que estão em dificuldade pelos poderes do mundo e por governos que nem sempre são plenamente respeitosos com o imprescindível direito humano e natural que é a liberdade religiosa.
A Igreja deve ser considerada a partir da constituição dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, incluída, obviamente, a nota prévia ao documento. Lá, está descrita a Igreja das origens, a Igreja dos Padres, a Igreja de todos os séculos, que é a nossa Igreja de hoje, sem descontinuidade, a Igreja de Cristo. Roma está chamada a presidir na caridade e na verdade, únicas fontes reais da autêntica paz cristã. A unidade da Igreja não é o compromisso com o mundo e sua mentalidade, mas o resultado, dado por Cristo, da nossa fidelidade à verdade e da caridade que seremos capazes de viver.
Parece-me significativo, a este respeito, o facto de que hoje só a Igreja, como ninguém, defende o homem e a sua razão, a sua capacidade de conhecer a realidade e entrar em relação com isto; em resumo, o homem na sua integridade. Roma está a pleno serviço da Igreja de Deus que está no mundo e que é uma “janela aberta” ao mundo, janela que dá voz a todos os que não a têm, que convida todos a uma contínua conversão e, por isso, contribui – muitas vezes no silêncio e com o sofrimento, pagando às vezes com a sua impopularidade – para a construção de um mundo melhor, para a civilização do amor.
Este papel de Roma não obstaculiza a unidade e o ecumenismo?Cardeal: O ecumenismo é uma prioridade na vida da Igreja e uma exigência absoluta que provém da própria oração do Senhor: “Ut unum sint”, que se converte, para todo o cristão, num “mandamento da unidade”. Na oração sincera e no espírito de contínua conversão interior, na fidelidade à própria identidade e na comum tensão da perfeita caridade dada por Deus, é necessário comprometer-se com convicção para que não haja contratempos no caminho do movimento ecuménico.
O mundo precisa da nossa unidade; portanto, é urgente continuar comprometendo-nos no diálogo da fé com todos os irmãos cristãos, para que Cristo seja o fermento da nossa sociedade. E também é urgente comprometer-se com os não-cristãos, isto é, no diálogo intercultural, para contribuir unidos para construir um mundo melhor, colaborando nas obras de bem e para que uma sociedade nova e mais humana seja possível. Roma, também nesta terra, tem um papel de propulsão único. Não há tempo para nos dividirmos: o tempo e as energias devem ser empregados para unir-nos.
Nesta Igreja, quem são e que papel têm os sacerdotes de hoje?Cardeal: Não são nem assistentes sociais nem funcionários de Deus! A crise de identidade é especialmente aguda nos contextos mais secularizados, nos quais parece que não há lugar para Deus. Os sacerdotes, no entanto, são os de sempre: são o que Cristo quis que fossem! A identidade sacerdotal é cristocêntrica e, portanto, eucarística.
Cristocêntrica porque, como o Santo Padre recordou tantas vezes, no sacerdócio ministerial, “Cristo atrai-nos dentro de Si”, envolvendo-se connosco e envolvendo-nos na sua própria existência. Tal atracção “real” acontece sacramentalmente – portanto, de maneira objectiva e insuperável –, na Eucaristia, da qual os sacerdotes são ministros, isto é, servos e instrumentos eficazes.

É tão insuperável a lei sobre o celibato? Realmente não pode ser mudada?Cardeal: Não se trata de uma simples lei! A lei é consequência de uma realidade muito alta, que acontece somente na relação vital com Cristo. Jesus diz: “Quem tiver ouvidos, que ouça”. O sagrado celibato não se supera nunca, é sempre novo, no sentido de que, através disso, a vida dos sacerdotes se “renova”, porque se dá sempre numa fidelidade que tem em Deus a sua raiz e no florescer da liberdade humana, o próprio fruto.
O verdadeiro drama está na incapacidade contemporânea de realizar as escolhas definitivas, na dramática redução da liberdade humana, que se converteu em algo tão frágil, que não busca o bem nem sequer quando este é reconhecido e intuído como possibilidade para a própria existência. O celibato não é o problema; e as infidelidades e fraqueza dos sacerdotes não podem constituir um critério de juízo.
No demais, as estatísticas dizem que mais de 40% dos casamentos fracassam. Entre os sacerdotes, estamos em menos de 2%. Portanto, a solução não está, de forma alguma, na opcionalidade do sagrado celibato. Não será talvez questão de deixar de interpretar a liberdade como “ausência de vínculos” e de definitividade, e começar a redescobrir que, na definitividade do dom ao outro e a Deus consiste a verdadeira realização e felicidade humanas?
E as vocações? Não aumentariam, se abolissem o celibato?Cardeal: Não! As confissões cristãs nas quais, não existindo o sacerdócio ordenado, não existe a doutrina e a disciplina do celibato, encontram-se num estado de profunda crise com relação às “vocações” de guia da comunidade – da mesma maneira que há crises do sacramento do matrimónio uno e indissolúvel.
A crise da qual, na verdade, se está a sair lentamente, está ligada, fundamentalmente, à crise da fé no Ocidente. O que é preciso é comprometer-se a fazer a fé crescer. Este é o ponto. Nos mesmos ambientes, está em crise a santificação das festas, está em crise a confissão, está em crise o casamento, etc. O secularismo e a conseguinte perda do sentido do sagrado, da fé e da sua prática, determinaram e determinam também uma importante diminuição do número dos candidatos ao sacerdócio.
A estas razões teológicas e eclesiais acrescentam-se algumas de carácter sociológico: a primeira de todas é a notável diminuição da natalidade, com a conseguinte diminuição dos jovens e das jovens vocações. Também este é um factor que não pode ser ignorado. Tudo está relacionado. Às vezes, estabelecem-se premissas e depois não se quer aceitar as consequências, mas estas são inevitáveis.
O primeiro e irrenunciável remédio para a diminuição das vocações foi sugerido pelo próprio Jesus: “Orai, portanto, ao dono da messe, para que envie operários para a sua messe” (Mt 9, 38). Este é o realismo da pastoral das vocações. A oração pelas vocações – uma intensa, universal, dilatada rede de oração e de adoração eucarística, que envolva todas as pessoas – é a verdadeira e única resposta possível para a crise da resposta às vocações. Onde este comportamento orante é vivido de forma estabelecida, pode-se afirmar que se leva a cabo uma recuperação real.
É fundamental, além disso, prestar atenção à identidade e especificidade na vida eclesial, de sacerdotes, religiosos – estes na peculiaridade dos carismas fundacionais dos próprios institutos de pertença – e fiéis leigos, para que cada um possa, na verdade e na liberdade, compreender e acolher a vocação que Deus pensou para ele. Mas cada um deve ser autêntico e cada dia deve comprometer-se em tornar-se o que é.
Neste momento histórico, se o senhor tivesse que resumir a situação geral, o que diria?Cardeal: O nosso programa não pode ser influenciado por querer estar por cima a todo custo, de querer sentir-nos aplaudidos pela opinião pública: nós devemos somente servir, por amor e com amor, o nosso Deus no nosso próximo, seja ele quem for, conscientes de que o Salvador é somente Jesus. Devemos deixá-lo passar, deixá-lo agir através das nossas pobres pessoas e do nosso compromisso quotidiano. Devemos colocar o que é “nosso”, mas também o que é “seu”. Nós, diante das situações aparentemente mais desastrosas, não nos devemos assustar. O Senhor, na barca de Pedro, parecia dormir, parecia! Devemos agir com energia, como se tudo dependesse de nós, mas com a paz de quem sabe que tudo depende do Senhor.
Portanto, devemos recordar que o nome do amor, no tempo, é “fidelidade”! O crente sabe que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, e não é “um” caminho, “uma” verdade, “uma” vida. Portanto, a coragem da verdade, pagando o preço de receber insultos e desprezo, é a chave da missão na nossa sociedade; é esta coragem que se une ao amor, à caridade pastoral, que deve ser recuperada e que torna fascinante, hoje mais do que nunca, a vocação cristã. Cito o programa formulado sinteticamente em Stuttgart pelo Conselho da Igreja Evangélica em 1945: “Anunciar com mais coragem, rezar com mais confiança, crer com mais alegria, amar com mais paixão”.

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